Música e Trabalho

Cidadão

Por Ana Paula Silva Araújo1

A música “Cidadão” retrata algumas das mazelas da sociedade brasileira experimentadas pelo migrante nordestino na década de 70, que permanecem presentes na atualidade, narradas pelo próprio trabalhador, que exercia a profissão de pedreiro em obras de construção civil, cuja indústria estava em franco desenvolvimento, motivo da criação de oportunidades para os trabalhadores braçais vindos de outras regiões do país.

A estrofe da música abaixo transcrita revela a dificuldade de acesso à educação presente na grande maioria das famílias dos trabalhadores braçais do nosso país:

Tá vendo aquele colégio moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
Esta dor doeu mais forte
Por que que eu deixei o norte
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer

O texto traduz a tristeza do trabalhador diante da discriminação sofrida por sua filha, quando, contente, imaginou ser possível estudar na escola que o pai ajudou a construir. A angústia lhe tomou quando sentiu na pele a desigualdade social estendida à sua filha.

Estava impedido de sonhar com um futuro diferente para sua filha, alcançável por meio da educação, o que possibilitaria sua maior participação nos espaços da vida social, com efetivos incentivos para desenvolver suas potencialidades individuais, viabilizando a busca por igualdade de oportunidades.

A educação é um instrumento de transformação da sociedade. Amplia a visão de mundo. É uma arma poderosa, pois o cidadão se torna mais crítico, tem mais oportunidades de emprego e melhoria para sua qualidade de vida.

Essa dificuldade retratada no acesso à educação demonstra efetivos prejuízos à sociedade como um todo, mais ainda com a entrada das novas tecnologias no ambiente laboral, como por exemplo, a utilização de robôs e de inteligência artificial nos processos produtivos, o que demandará a necessidade de constante qualificação para essa classe de trabalhadores, sob pena de se tornarem pessoas desocupadas ou desalentadas.

Outro ponto que merece destaque nessa estrofe é a exclusão social do povo vindo do norte e nordeste, em uma clara dicotomia lá/aqui pelo qual se observa que o eu lírico traduz o sentimento de falta de pertencimento do nordestino no local onde ele vive e trabalha, quando se pergunta “por que que eu deixei o norte?”

Torna-se evidente a sensação de estrangeiridade do trabalhador migrante, em virtude da discriminação, preconceito e humilhação que o afeta em grande medida, devendo ser considerada, inclusive, a forma como lembra do seu local de origem e das pessoas que lá ficaram, traduzindo uma resistência em não apagar suas origens.

Essa discriminação sofrida pelo trabalhador em razão de sua origem, tornou-se mais gravosa do que a discriminação presente normalmente nas relações de trabalho, advinda da relação de poder, no qual o empregado se encontra subordinado aos poderes do patrão.

Mas não se pode perder a esperança de ultrapassar as barreiras sociais impostas pela exclusão dos trabalhadores braçais e de suas famílias, com a conscientização da sociedade da importância da educação para o crescimento do país, devendo ser incentivada por políticas públicas.


  1. Ana Paula Silva de Araujo. Advogada. Sócia fundadora do Escritório Araujo & Lima Sociedade de Advogados. Palestrante. Mestranda em Gestão do Trabalho. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Diretora da Escola Superior da Advocacia da AFAT (Associação Fluminense da Advocacia Fluminense). Conselheira do IPEDIS. Vice-Presidente da Comissão de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho do IBRAPEJ. Presidente das Comissões ESA (Escola Superior da Advocacia) e CPS (Comissão de Previdência Social) da 25ª Subseção Itaboraí. Conselheira da 25ª Subseção Itaboraí. Membro da CPS da Seccional OAB/RJ.